COZINHA DOS ORIXÁS E OS TRUQUES

ENTRE A INVENÇÃO E A RECRIAÇÃO; ONDE ''O TEMPO NÃO PÁRA''


A comida e o comer, ocupam um lugar fundamental na vida dos terreiros de candomblé.
Isso aparece explicado de várias formas, através de uma visão muito ampla, onde ela é entendida como força vital, energia, princípio criativo e doador de algo. Na comida, nós encontramos a energia máxima de uma oferta, mas, acima de tudo, ela é a força que vem fortificar os ancestrais, então, é um meio, um veículo, através do qual, grupos humanos e civilizações se sustentaram durante milênios, fazendo contrato com o sagrado.

Nos terreiros, a chamada ''comida do Orixá'', obedece à prescrições complexas, construídas ao longo do tempo e redefinidas a cada momento, de acordo com a função à que deva desempenhar, ou, à ''realidade'' que se deseja instaurar ou dialogar. Tudo isso é expresso nas múltiplas formas, maneiras e diferentes modos de preparar, fazer ou ''tratar'' os ingredientes.

Comida é sacrifício, ebó [1] no seu sentido mais amplo, mola propulsora, que conduz e leva o axé [2]. Daí sua íntima relação com EXÚ, aquele que come tudo, encarregado de sua distribuição no mundo. O sacrifício é assim, indispensável para viver, pois, nada se sustenta sem esta troca de força, de energia, num universo onde tudo é dinâmico e nada é por acaso, onde até uma folha que se desprende de uma árvore, tem um ''porque'' de ser preciso.

Através da comida oferecida aos Orixás, se estabelece relações entre o devoto, a comunidade e os Orixás. É sobretudo nas festas, que isso mais se expressa, festas que se desenrrolam ocultamente aos olhos dos de fora, que podem levar meses, e, festas que são feitas para os de fora, realizadas no ''barracão'', tornadas públicas, onde, em algumas delas, são exibidas a maior quantidade possível de comidas servidas aos Orixás da casa, e, eles próprios servem a sua comida, distribuindo assim aos presentes, a sua força máxima.

Por trás de cada prato ofertado, há uma visão de mundo, há um ''porque'', que faz com que o comer instaure um sistema de interpretações, que englobam o sentido e totalidade da vida. Comida é sempre um cotra-presente.

A comida do Orixá, difere das comidas servidas no dia-a-dia dos ''terreiros'', bem como, àquelas passadas no corpo das pessoas, usadas para ''descarregar'', limpar, ou livrar de algum contra-axé [3].

Em linha geral, comida é tudo o que se come, desde a pimenta ao Obí [4], que se masca para falar com o Orixá, ao naco de carne que se oferece à este mesmo Orixá, partilhado pelas pessoas. Nesse processo de diferenciação, em que os ingredientes, na sua grande maioria são os mesmos, muda-se a forma de se ritualizar, a elaboração, o cuidado, o ''tratamento'', a maneira de se lidar com o mesmo ingrediente, o sentido impresso e invocado, através das palavras de encantamentos, cantigas e rezas.

Assim, falar desta comida, suas relações, circunscrevê-las dentro de um espaço ou momento, consiste num dos nossos maiores e principais desafios.
Enfrentá-lo, é o que tentamos fazê-lo sob o pretesto e título;
COZINHA: OS ORIXÁS E OS TRUQUES
ENTRE A CRIAÇÃO E A RECRIAÇÃO, ONDE ''O TEMPO NÃO PÁRA''